Em uma decisão histórica emitida em 20 de agosto de 2025, o Supremo Tribunal da Zâmbia, no caso Zambia Revenue Authority vs Nestlé Zambia Limited (Processo n.º 03/2021), estabeleceu uma doutrina relevante em matéria de Preços de Transferência, especialmente no que diz respeito ao ônus da prova e à caracterização funcional das empresas intragrupo.
Ascensão e desenvolvimento do caso
A Nestlé Zâmbia apresentou perdas constantes entre 2010 e 2014. Em resposta, a Zambia Revenue Authority (ZRA) realizou uma auditoria e elevou a base tributável da empresa para ZMW 56.579.048 (aproximadamente US$ 9 milhões), gerando uma obrigação tributária adicional de ZMW 13.860.103 (cerca de US$ 2,2 milhões).
A Nestlé recorreu ao Tribunal de Apelações Fiscais com base em seis fundamentos, que incluíam questionamentos sobre o método utilizado, a comparabilidade, a compensação de perdas históricas, a caracterização funcional como distribuidor de risco limitado (LRD) e o uso de comparativos estrangeiros. O Tribunal decidiu a favor da Nestlé em todos os pontos, exceto na categorização funcional como LRD. O recurso chegou ao Supremo Tribunal, que reverteu parcialmente a decisão do Tribunal.
Decisão fundamental do Supremo Tribunal: ônus da prova e perfil funcional
O Supremo Tribunal confirmou três aspectos cruciais:
- Validade da auditoria da ZRA: A autoridade, amparada no artigo 106 da Lei do Imposto da Renda, age legitimamente ao realizar ajustes de preços de transferência; depois disso, o ônus de provar que a operação cumpre o princípio da plena concorrência recai sobre o contribuinte. O Supremo Tribunal aceitou isso, apoiando o início do processo.
- Comparáveis e metodologia: O Tribunal de Apelações invalidou o estudo pelo uso de comparáveis de países desenvolvidos. O Supremo revogou essa parte, indicando que rejeitar a metodologia apenas pela comparação jurisdicional excede sua competência. É obrigação do contribuinte provar que a transação foi arm’s length, e não cabe impor jurisdições locais limitadas.
- Função da Nestlé Zâmbia como LRD: O Supremo Tribunal concordou com o Tribunal de Apelação ao considerar que a Nestlé Zâmbia era um Limited Risk Distributor, uma vez que as funções estratégicas (marketing, tesouraria, know-how) estavam centralizadas na Nestlé África do Sul e outras entidades relacionadas. Baseou-se em evidências de controles operacionais e no contrato de licença que reservava a propriedade do know-how para a Nestlé SA.
Como resultado, o Supremo Tribunal deferiu o recurso da ZRA, anulou a ordem de reavaliação e indeferiu o recurso da Nestlé, validando a avaliação original.
Contexto normativo e relevância internacional
O caso se torna o primeiro precedente substancial na Zâmbia em matéria de Preços de Transferência. Na ausência de regulamentação específica, o Tribunal e a ZRA recorreram às Diretrizes de Preços de Transferência da OCDE e ao Manual Prático da ONU para países em desenvolvimento.
A Zâmbia avançou suas regulamentações em matéria de Preços de Transferência desde 2018, com estruturas próximas aos padrões BEPS (relatório mestre, relatório local, Relatório País por País), fortalecidas por sua adesão ao marco inclusivo da OCDE/BEPS.
Além disso, o precedente Mopani (2016) demonstrou a capacidade do fisco zambiano de contestar preços intragrupo artificiais de grandes grupos mineradores, consolidando sua firmeza em matéria de preços de transferência. Para mais informações sobre este caso, você pode consultar a análise completa aqui.
Conclusão: Implicações e recomendações
A decisão do Supremo Tribunal em Zâmbia vs Nestlé Zâmbia estabelece uma diretriz firme: os contribuintes devem demonstrar que suas transações intragrupo são em condições de plena concorrência, especialmente quando enfrentam avaliações fiscais. O ônus da prova é claro, e a definição funcional (como LRD) deve ser sustentada por documentação robusta e evidências operacionais.
As empresas internacionais com operações na Zâmbia devem:
- Documentar exaustivamente funções, riscos e ativos (análise funcional).
- Justificar as seleções de comparáveis, inclusive internacionais.
- Implementar políticas de preços de transferência alinhadas com os critérios BEPS e as práticas da OCDE.
- Antecipar riscos de categorização funcional e preparação para defesa técnica em auditorias.
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Fonte: TPCases