Em junho de 2025, o Supremo Tribunal dos Países Baixos (Hoge Raad) decidiu o caso Supermarket BV (Processo n.º 22/00900, ECLI:NL:HR:2025:850), um litígio de grande relevância relacionado com a venda de um direito de arrendamento de um supermercado e a consequente avaliação fiscal do ganho derivado. Embora não se trate de um caso clássico de preços de transferência entre entidades relacionadas, a decisão aborda princípios fundamentais que afetam diretamente a interpretação e a documentação do valor justo em transações econômicas.
Antecedentes do caso
O conflito surge após a venda, em 1999, do direito de arrendamento de um imóvel operado pela Supermarket BV. Em sua declaração fiscal, a empresa reportou um ganho de 226.000 florins holandeses (NLG), equivalente ao preço que recebeu pelo direito de arrendamento. No entanto, a Administração Tributária holandesa (Belastingdienst) questionou esse valor, argumentando que o valor real de mercado do direito ascendia a 1,1 milhão de NLG, com base em uma análise econômica e pericial. Consequentemente, a autoridade aplicou uma correção ao imposto sobre as sociedades.
O tribunal fiscal de primeira instância, bem como o Tribunal de Apelação de Arnhem-Leeuwarden, decidiram a favor da Administração. A empresa recorreu para o Supremo Tribunal, alegando que a sua avaliação era válida, que não havia intenção de ocultar informações e que não se devia presumir fraude ou negligência grave.
Fundamentos da decisão
O Supremo Tribunal negou provimento ao recurso da Supermarket BV, mantendo a correção fiscal aplicada pela administração. A decisão baseia-se nos seguintes fundamentos:
- Diferença substancial não explicada: a diferença entre o valor declarado (226.000 NLG) e o valor de mercado estimado (1,1 milhões de NLG) foi considerada suficientemente significativa para concluir que a empresa, pelo menos, deveria saber que sua avaliação era incorreta ou substancialmente inferior ao valor razoável.
- Responsabilidade do contribuinte: ao existir uma discrepância relevante entre o valor de mercado e o valor declarado, cabe ao contribuinte o ônus de provar que sua avaliação era defensável. A Supermarket BV não conseguiu apresentar argumentos ou documentação que justificassem o valor declarado.
- Princípio da boa-fé tributária: o Tribunal lembrou que o cumprimento das obrigações fiscais exige diligência razoável e boa-fé na determinação do valor de mercado. A falta de fundamentos técnicos ou econômicos válidos para sustentar o valor declarado pode justificar a rejeição da declaração apresentada.
Relevância para questões de preços de transferência
Embora a sentença não trate de uma transação entre partes relacionadas, sua lógica é aplicável à análise de preços de transferência por várias razões:
- Avaliação ao preço de mercado: tanto em operações entre partes independentes quanto em transações entre partes relacionadas, o preço deve refletir as condições de mercado. Este caso reforça a necessidade de contar com fundamentos técnicos robustos para sustentar o valor econômico declarado perante a autoridade fiscal.
- Inversão do ônus da prova: quando a administração demonstra que existe uma diferença significativa entre o valor declarado e o valor de mercado, a obrigação de provar recai sobre o contribuinte, que deve justificar por que sua avaliação é razoável.
- Importância da documentação contemporânea: embora não tenha sido um caso com obrigações formais de documentação de preços de transferência, a decisão ressalta a importância de o contribuinte dispor de estudos, laudos ou outro tipo de documentação ex ante para respaldar o valor declarado.
Considerações finais
A sentença no caso Supermarket BV destaca a importância de aplicar critérios econômicos objetivos e documentação adequada na determinação do valor de mercado dos ativos. Mesmo quando uma transação não envolve partes relacionadas, o padrão de mercado continua sendo o parâmetro de referência para a administração tributária holandesa. As empresas devem estar cientes de que qualquer omissão ou falha na documentação de apoio pode facilitar ajustes fiscais significativos e pôr em dúvida a veracidade dos valores declarados.
Fonte: TPCases