Nos últimos anos, a Índia consolidou-se como um dos países mais ativos em matéria de fiscalização de preços de transferência, promovendo um quadro regulatório cada vez mais rigoroso e sofisticado. Neste contexto, as controvérsias relacionadas com a escolha do método adequado tornaram-se um ponto central de disputa entre os contribuintes e as autoridades fiscais. A decisão do Tribunal de Apelação de Impostos sobre a Renda de Delhi (ITAT Delhi) no caso Vodafone Idea Ltd. (ITA No. 8361/Del/2019, outubro de 2025) é um exemplo claro dessa dinâmica e marca um precedente relevante tanto para a Índia quanto para a comunidade internacional.
A decisão aborda uma questão técnica de grande impacto: a escolha entre o método do Preço Comparável Não Controlado (CUP) e o método da Margem Líquida Transacional (TNMM), dois dos pilares da análise de preços de transferência de acordo com as Diretrizes da OCDE. Além de seu alcance local, a decisão reafirma a necessidade de aplicar uma abordagem baseada na comparabilidade real, na substância econômica e na consistência documental, princípios essenciais para garantir a equidade tributária e a previsibilidade jurídica nas operações entre partes relacionadas.
Contexto do caso
A Vodafone Idea Ltd., uma das maiores operadoras de telecomunicações do país, foi objeto de um ajuste por parte do Transfer Pricing Officer (TPO), que considerou que o método utilizado pela empresa para analisar suas operações internacionais não era o mais adequado.
A empresa havia aplicado o método TNMM para determinar a rentabilidade de suas transações com entidades vinculadas, argumentando que este refletia melhor a realidade econômica do negócio, caracterizado por operações integradas, funções compartilhadas e margens globais difíceis de comparar individualmente.
O TPO, por outro lado, concluiu que deveria ser utilizado o método CUP, por considerar que existiam preços de mercado observáveis e que este método oferecia uma medida mais precisa do princípio da plena concorrência. Segundo a autoridade, o TNMM não refletia corretamente as condições de mercado, pelo que propôs ajustes ao resultado declarado pela empresa.
A Vodafone Idea recorreu da decisão, e o caso chegou ao ITAT Delhi, que deveria avaliar se a substituição do método era tecnicamente justificada e conforme às Diretrizes da OCDE.
Argumentos das partes
A defesa da empresa sustentou que o CUP não era aplicável, uma vez que as transações intragrupo em questão — principalmente serviços de suporte e encargos tecnológicos — não tinham comparativos exatos no mercado independente. Além disso, as diferenças nas funções, riscos e condições contratuais tornavam impossível realizar ajustes de comparabilidade confiáveis.
Por outro lado, o TNMM permitia avaliar a rentabilidade de forma consolidada, considerando a natureza complexa do setor de telecomunicações e a interdependência entre as entidades do grupo.
A administração tributária argumentou que existiam dados comparáveis disponíveis e que o CUP deveria ser aplicado por ser, em sua opinião, o método “mais direto e preciso” para determinar preços de plena concorrência.
Decisão do Tribunal: primazia do TNMM
Após analisar os antecedentes, o ITAT Delhi concluiu que o método TNMM era o mais adequado, dadas as circunstâncias do caso. O tribunal observou que as transações analisadas não eram idênticas nem suficientemente comparáveis para aplicar de forma confiável o método CUP.
A decisão enfatizou que a escolha do método de preços de transferência não deve se basear em preferências administrativas, mas em uma análise técnica que considere a disponibilidade e a qualidade dos comparáveis, o perfil funcional das entidades e a substância econômica das operações.
Além disso, o tribunal observou que a TPO não havia demonstrado com provas suficientes que as transações identificadas sob o CUP fossem realmente comparáveis, pelo que os ajustes propostos careciam de fundamento técnico.
Consequentemente, o ITAT manteve a aplicação do TNMM e anulou os ajustes feitos pela autoridade fiscal.
Relevância técnica e jurisprudencial
O caso Vodafone Idea Ltd. reforça vários princípios fundamentais na prática internacional de preços de transferência:
- Não existe uma hierarquia rígida entre os métodos: O Tribunal lembrou que a escolha do método não deve responder a uma preferência administrativa, mas a uma análise técnica das circunstâncias de cada caso. Nenhum método tem prioridade automática; deve-se escolher aquele que melhor reflete a substância econômica das transações e a disponibilidade de dados confiáveis.
 - O método CUP exige comparáveis altamente semelhantes: O ITAT precisou que o CUP só pode ser aplicado quando existem transações praticamente idênticas em funções, riscos e condições. Na ausência de comparáveis precisos, seu uso pode gerar distorções, como ocorreu neste caso, em que as diferenças estruturais invalidavam sua aplicação.
 - O TNMM é mais apropriado para operações complexas: O Tribunal reconheceu que o TNMM oferece uma visão mais realista para empresas com operações integradas ou interdependentes, ao medir a rentabilidade global e não os preços individuais. Por isso, sua aplicação é preferível em setores como telecomunicações ou serviços, onde a comparabilidade direta é limitada.
 - A documentação técnica é fundamental para sustentar o método: A decisão destacou que a solidez da análise funcional e a documentação contemporânea são determinantes para justificar o método selecionado. Neste caso, a defesa técnica da Vodafone Idea foi consistente e permitiu demonstrar a razoabilidade do TNMM diante dos argumentos do TPO.
 
Implicações para as empresas multinacionais
A decisão tem implicações significativas para as empresas com presença na Índia e outras jurisdições que seguem as diretrizes da OCDE. Em particular, ela destaca a necessidade de:
- Realizar uma análise funcional exaustiva, documentando funções, riscos e ativos de cada entidade do grupo.
 
- Justificar tecnicamente a escolha do método, explicando por que o TNMM é mais representativo em determinados contextos.
 
- Manter a coerência entre o relatório local, o arquivo mestre e os estudos de comparabilidade.
 
- Antecipar possíveis questionamentos fiscais por meio de documentação contemporânea e evidências econômicas sólidas.
 
Para as autoridades fiscais, o caso também oferece uma lição importante: a substituição de métodos deve ser devidamente fundamentada. Não basta afirmar que um método é mais “preciso”; deve-se demonstrar que os comparáveis são confiáveis e refletem adequadamente as condições de plena concorrência.
Conclusão
A decisão do ITAT Delhi no caso Vodafone Idea Ltd. consolida a importância do rigor técnico na seleção do método de preços de transferência. Ao confirmar a validade do TNMM, o tribunal privilegia uma abordagem baseada na substância econômica e na comparabilidade real, em vez de interpretações formais ou generalizações administrativas.
Este precedente proporciona maior clareza e previsibilidade tanto para os contribuintes quanto para as autoridades, ao mesmo tempo em que reafirma a necessidade de aplicar as Diretrizes da OCDE com critério técnico e prudente.
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Fonte: TPCases
