A recente decisão do Tribunal Administrativo da Polônia no caso Polônia vs “H. Services Sp. z o.o.” (setembro de 2025, Caso N.º I SA/Wr 175/25) constitui um precedente fundamental sobre o tratamento fiscal dos ajustes de preços de transferência efetuados no encerramento do exercício, reforçando a segurança jurídica dos contribuintes e alinhando a prática polonesa com as diretrizes internacionais.
A controvérsia girava em torno da questão de saber se os ajustes de fim de ano podiam ser reconhecidos como ajustes de preços de transferência nos termos do Artigo 11e da Lei do Imposto sobre as Sociedades (CIT Act), ou se deveriam ser considerados simples correções contábeis. A decisão amplia a interpretação desta norma, alinhando a prática polonesa com as Diretrizes da OCDE e oferecendo maior segurança jurídica aos contribuintes que realizam ajustes para manter suas margens dentro da faixa de plena concorrência.
Fatos e abordagem do conflito
O caso surge a partir de uma discrepância entre a administração tributária e uma entidade polonesa pertencente a um grupo multinacional, em relação à natureza fiscal dos ajustes intragrupo efetuados no encerramento do exercício.
- Parte em litígio: “H. Services Sp. z o.o.”, uma entidade polonesa membro de um grupo multinacional, que celebrou com empresas do mesmo grupo uma série de contratos de prestação de serviços e licenças.
- Ajustes de fim de ano: No encerramento do exercício, a empresa realizou ajustes para alinhar a rentabilidade da tested party ou para conciliar tarifas baseadas em custos com valores reais.
- Critério da administração tributária: As autoridades polonesas, em uma interpretação individual, rejeitaram que tais ajustes pudessem ser tratados como ajustes de preços de transferência de acordo com o artigo 11e. Em vez disso, consideraram-nos ajustes contábeis ordinários, que deveriam ser reconhecidos em exercícios posteriores.
- Questão jurídica central: Se os ajustes de fim de ano (para trazer a rentabilidade dentro da faixa de referência ou reconciliar encargos de custo mais com resultados finais) cumprem os requisitos para serem reconhecidos como ajustes de preços de transferência dentro do mesmo período ou se devem ser tratados como correções contábeis diferidas.
Decisão do tribunal e fundamentação
- Revogação da interpretação fiscal: O tribunal administrativo anulou a interpretação adotada pela autoridade tributária e devolveu o caso para nova decisão.
- Natureza do ajuste de preços de transferência: O tribunal sustentou que os ajustes de fim de ano destinados a trazer a rentabilidade dentro de um benchmark ou a reconciliar encargos custo-plus com os valores reais podem ser considerados ajustes em preços de transferência de acordo com o artigo 11e. Eles não devem depender exclusivamente da forma contábil, mas da substância econômica e do perfil funcional das partes.
- Fundamentação econômica e funcional: O tribunal enfatizou que os ajustes de preços de transferência devem ser analisados de uma perspectiva econômica e funcional, priorizando a realidade substantiva das operações acima de sua forma contábil. Nesse sentido, reconheceu que o princípio da plena concorrência (arm’s length principle) se baseia na função econômica desempenhada, nos riscos assumidos e nos ativos utilizados, mais do que na documentação contábil formal. Este raciocínio reforça uma interpretação moderna e coerente com as Diretrizes da OCDE, nas quais o ajuste ex post é concebido como uma ferramenta legítima para refletir fielmente a substância econômica das transações intragrupo.
- Ajustes retrospectivos: Quando um preço fixado previamente (ex ante) com base em estimativas de mercado se revela posteriormente incompatível com o princípio da plena concorrência (arm’s length) devido a alterações significativas ou porque os custos/receitas só foram conhecidos após o encerramento, esse ajuste pode ser reconhecido nesse exercício como um ajuste compensatório (compensating adjustment).
- Diferença com erros contábeis: O tribunal deixou claro que erros contábeis evidentes ou equívocos não justificam um ajuste de preços de transferência; estes devem ser corrigidos através das regras contábeis ou tributárias gerais, e não através do mecanismo especial do artigo 11e.
- Alternativas legais do artigo 11e(2): O tribunal considerou que a autoridade fiscal havia errado ao não distinguir entre as opções permitidas no parágrafo (2) do artigo 11e, ao rejeitar ajustes derivados de modelos orçamentários. Desde que sejam cumpridas as condições legais, como ajustes recíprocos pela contraparte e troca de informações, a empresa pode reconhecer o ajuste no período correspondente.
- Coerência com as diretrizes da OCDE : A análise do tribunal menciona explicitamente que a sua abordagem é consistente com as normas da OCDE sobre ajustes compensatórios, nas quais o contribuinte pode ajustar o preço para efeitos fiscais, mesmo que difira do preço aplicado contratualmente, para se alinhar com o princípio da independência das partes.
Implicações técnicas e práticas
A decisão tem um impacto significativo na gestão tributária das empresas multinacionais que operam na Polônia. De uma perspectiva prática, ela consolida a possibilidade de reconhecer ajustes de preços de transferência dentro do mesmo exercício fiscal, desde que haja comprovação documental e reciprocidade entre as partes.
Reconhecimento no exercício fiscal pertinente
Esta decisão permite que os contribuintes poloneses solicitem ajustes de preços de transferência dentro do mesmo período, em vez de adiar seu reconhecimento, quando os critérios legais forem cumpridos. Isso melhora o alinhamento entre a contabilidade e a tributação, reduzindo distorções nos resultados fiscais.
Estratégia contratual e funcional
As empresas devem elaborar cláusulas contratuais que permitam ajustes bilaterais e documentar desde o início mecanismos de reconciliação, para cumprir os requisitos do artigo 11e. É fundamental que o contrato preveja a possibilidade de ajustes retroativos e que exista reciprocidade entre as partes.
Documentação de apoio e análise funcional
Para apoiar os ajustes de preços de transferência, torna-se imprescindível documentar detalhadamente as funções, ativos e riscos (FAR) de cada entidade, bem como demonstrar que o ajuste se baseia em informações objetivas posteriores, e não em uma mera reescrita contábil arbitrária.
Risco de auditoria
Esta decisão gera um risco menor de rejeição de ajustes legítimos, se estiverem bem documentados. No entanto, os contribuintes devem ter cuidado ao distinguir ajustes de preços de transferência autorizados de simples correções contábeis que não atendem aos critérios legais.
Harmonia com as políticas internacionais
A decisão alinha a prática polonesa com os princípios internacionais (OCDE) em matéria de ajustes compensatórios, fortalecendo a previsibilidade e a legitimidade do mecanismo para grupos multinacionais que operam na Polônia.
Conclusão
A decisão do Tribunal Administrativo da Polônia no caso H. Services Sp. z o.o. representa um avanço doutrinário na interpretação dos ajustes intragrupo em preços de transferência. Ela reconhece que certos ajustes de fim de ano podem ser qualificados como ajustes de preços de transferência se forem baseados em mudanças posteriores ao fechamento e estiverem em conformidade com os requisitos do artigo 11e. Isso reforça a importância de um planejamento contratual antecipado, uma análise funcional robusta e uma documentação rigorosa.
Para empresas com operações intragrupo na Polônia e outras jurisdições com normas semelhantes, esse precedente oferece maior flexibilidade e legitimidade para incorporar ajustes fiscais dentro do exercício correspondente, sempre dentro do marco legal.
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Fonte: TPCases