Melhores práticas em documentação de preços de transferência na China

junho 27, 2025

A crescente sofisticação do ambiente fiscal internacional, impulsionada pelos padrões da OCDE e reforçada pelas ações do projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), levou as autoridades fiscais chinesas a adotarem uma postura mais proativa e rigorosa em relação às transações entre partes relacionadas. Nesse contexto, a documentação correta dos preços de transferência torna-se não apenas uma exigência normativa, mas uma ferramenta fundamental de gestão tributária e mitigação de riscos.

A Administração Tributária Estatal da China (STA, na sigla em inglês) intensificou as auditorias e exigências, solicitando uma documentação mais detalhada, coerente e justificada. Esta situação exige que as empresas — especialmente aquelas com estruturas multinacionais — compreendam as expectativas locais, adotem metodologias adequadas e documentem suas políticas internas de acordo com os princípios da plena concorrência (arm’s length principle).

Este artigo analisa as melhores práticas na preparação da documentação de preços de transferência na China, de acordo com os requisitos atuais, fornecendo orientação técnica específica para empresas que buscam fortalecer sua conformidade e transparência perante a autoridade tributária chinesa.

1. Marco Normativo e Obrigações Formais

O sistema de documentação de preços de transferência na China baseia-se em uma abordagem de três níveis, inspirada nas recomendações do Plano de Ação 13 da OCDE, mas adaptada às condições locais.

Tipos de documentação exigida:

  • Master File

Exigido quando o grupo multinacional ao qual pertence a entidade chinesa tem receitas consolidadas globais superiores a 1.000 milhões de RMB no ano fiscal anterior.

  • Arquivo local

Exigido se as transações relacionadas do contribuinte na China excederem:

    • 200 milhões de RMB em compra/venda de bens,
    • 40 milhões de RMB em prestação de serviços ou
    • 100 milhões de RMB em operações financeiras.
  • Arquivo de Questões Especiais: Obrigatório quando existem acordos especiais, como Acordos de Compartilhamento de Custos (CSA), reestruturações empresariais ou financiamentos intragrupo. Você deve analisar profundamente essas situações devido ao seu alto risco de fiscalização.

O não cumprimento desses requisitos pode acarretar ajustes fiscais, penalidades econômicas, acréscimos por juros e um maior nível de escrutínio em exercícios posteriores.

2. Principais falhas detectadas

As autoridades fiscais chinesas identificaram erros frequentes na preparação da documentação:

  1. Informações inconsistentes entre arquivos: Ocorre quando os dados apresentados no Master File, Local File e declarações fiscais não correspondem. Essa falta de coerência gera desconfiança na autoridade fiscal e aumenta o risco de auditoria.
  2. Uso de documentação desatualizada: Muitas empresas reutilizam arquivos de anos anteriores sem considerar mudanças significativas no ambiente econômico, nas funções internas ou nas relações com partes relacionadas. Essa prática é perigosa em um ambiente tão dinâmico como o chinês.
  3. Análise funcional superficial: Um erro comum é descrever de forma genérica as funções, ativos e riscos sem atribuir claramente o valor. A omissão dessas informações pode invalidar a defesa em caso de ajuste fiscal.
  4. Falta de formalidades exigidas: Na China, a documentação deve cumprir requisitos formais, como assinaturas, carimbo oficial, idioma local (chinês simplificado) e respaldo documental verificável. A ausência desses elementos pode ser considerada como descumprimento direto.

3. Recomendações técnicas para a preparação do Local File

a) Estrutura corporativa e organização

O Local File deve apresentar claramente como a entidade está organizada na China dentro do grupo. Isso inclui:

  • Organogramas funcionais.
  • Número de funcionários por área.
  • Descrição das unidades de negócios, suas responsabilidades e hierarquias.
  • Dados sobre o sistema de relatórios e tomada de decisões.

O objetivo é mostrar à administração tributária como a informação flui e como o valor é gerado localmente.

b) Análise do negócio

Deve incluir uma descrição exaustiva do modelo operacional:

  • Detalhes dos produtos ou serviços oferecidos.
  • Mercados-alvo.
  • Fatores-chave de competitividade e crescimento.
  • Alterações regulatórias relevantes e seu impacto.
  • Evolução financeira da empresa no período analisado.

Esta análise contextualiza as transações e ajuda a justificar as margens obtidas em relação a comparáveis.

c) Informações sobre partes relacionadas

Todas as partes relacionadas devem ser claramente identificadas, especificando:

  • Nome, país de residência fiscal e natureza do vínculo.
  • Tipo de transações realizadas (venda, serviços, empréstimos, royalties).
  • Mudanças ocorridas durante o ano (novas relações, rescisões ou reestruturações).

É importante documentar qualquer novidade que possa ter implicações fiscais ou funcionais.

d) Análise da Cadeia de Valor

Além de descrever os fluxos operacionais, logísticos e financeiros entre as entidades relacionadas, a empresa deve detalhar como o valor é gerado e distribuído dentro do grupo multinacional. Espera-se que:

  • As funções-chave, os ativos utilizados e os riscos assumidos por cada parte relacionada sejam identificados de forma clara e quantificável.
  • Sejam expostos os princípios utilizados para atribuir os lucros do grupo ao longo da cadeia de valor global, bem como os resultados obtidos.

Em particular, as autoridades fiscais exigem que se explique se a atribuição de lucros se baseia em perfis funcionais e de risco ou em margens comparáveis de plena concorrência. Em ambos os casos, deve ser justificado:

  • A lógica utilizada para quantificar a contribuição de cada entidade.
  • A metodologia de determinação das margens ou benchmarks aplicados.
  • As fontes de dados utilizadas e como estas se traduzem na distribuição final dos lucros.

A análise deve demonstrar que a atribuição de lucros reflete adequadamente as contribuições reais de cada participante na cadeia.

e) Comparabilidade e Métodos

O método de preços de transferência selecionado deve ser justificado com base em:

  • Comparabilidade funcional com empresas do mesmo setor.
  • Condições de mercado na China (concorrência, regulamentação, demanda).
  • Ajustes necessários para melhorar a comparabilidade.
  • Escolha das fontes de dados (bases como Wind, Osiris ou locais).

Uma justificativa sólida ajuda a evitar ajustes posteriores pela administração tributária.

f) Análise financeira e margens

  • Apresentar resultados financeiros do contribuinte e de empresas comparáveis.
  • Justificar margens por meio de indicadores como ROA, markup sobre custos ou margens brutas.
  • Documentar ajustes aplicados por diferenças contábeis, geográficas ou funcionais.

4. Special Issue File: Casos Especiais

a) Acordos de Repartição de Custos (Cost Sharing Agreements – CSA)

A China exige documentação detalhada de qualquer estrutura que implique a partilha de custos de desenvolvimento de intangíveis, P&D ou outros ativos. Este arquivo deve incluir:

  • Descrição do acordo, participantes, funções e benefícios esperados.
  • Metodologia para determinar as contribuições de cada entidade.
  • Justificativa do benefício razoavelmente esperado por cada participante.
  • Avaliação periódica do desempenho e ajustes necessários.
  • Prova de que o acordo reflete condições de plena concorrência.

Além disso, deve ser apresentada prova objetiva sobre a eficácia do acordo: se o resultado econômico corresponde ao valor gerado por cada participante. A documentação deve evitar que as contribuições sejam percebidas como uma transferência de valor não compensada adequadamente pelo beneficiário.

b) Financiamento Intragrupo e Capitalização Reduzida

A China aplica regras estritas sobre o nível de endividamento com partes relacionadas:

  • Cada empréstimo ou linha de crédito deve ser documentado com condições claras: montante, prazo, taxas de juros, garantias, cláusulas de pagamento antecipado.
  • Devem ser apresentadas comparações de mercado que comprovem a taxa de juros acordada.
  • Avaliar se o nível de endividamento está em linha com as práticas do mercado (rácios dívida/capital) e se a entidade tem capacidade financeira real para assumir e reembolsar o empréstimo.

Conclusão

A preparação correta da documentação de preços de transferência na China é um processo complexo e detalhado que vai além de uma simples obrigação fiscal. Envolve uma compreensão profunda das funções do negócio, uma metodologia técnica bem aplicada e uma estratégia de conformidade robusta. Diante do aumento das fiscalizações e da constante evolução da regulamentação, contar com assessoria especializada e manter a documentação atualizada é essencial para reduzir contingências e garantir a estabilidade fiscal da organização.

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