No contexto das relações intragrupo, a determinação dos preços de transferência constitui uma questão crucial para a correta imputação de resultados entre entidades vinculadas. O regime normativo italiano — e em muitos outros ordenamentos que adotam os princípios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em matéria de preços de transferência — exige que os correspondentes das operações intragrupo sejam determinados “em condições de plena concorrência”.
Dentro dessa disciplina, surge o regime de proteção contra sanções (“penalty protection”) como um mecanismo que incentiva o contribuinte a adotar práticas de documentação, transparência e disponibilidade proativa de informações.
O presente artigo analisa esse regime, os requisitos formais e substantivos exigidos ao contribuinte, os critérios de adequação da documentação, bem como os riscos que podem subsistir mesmo quando os requisitos básicos são aparentemente cumpridos.
Marco normativo italiano
Na Itália, a regulamentação sobre preços de transferência gira em torno do artigo 110, parágrafo 7, do Testo Unico delle Imposte sui Redditi (TUIR), que impõe a obrigação de determinar os valores correspondentes às operações intragrupo de acordo com as condições de livre concorrência, em linha com os princípios da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.
Com caráter sancionatório-preventivo, o artigo 1º, parágrafo 6º, do Decreto Legislativo nº 471/1997 estabelece que a documentação adequada pode levar à exclusão de sanções por declaração infiel, quando determinados requisitos em matéria de preços de transferência são cumpridos.
O instrumento fundamental para essa proteção consiste na preparação e apresentação da documentação de preços de transferência, composta pelo Master File e pela documentação local (Local File), que devem cumprir requisitos formais e substantivos, de acordo com a resolução da Administração Tributária italiana (Agenzia delle Entrate) de 23 de novembro de 2020, n.º 360494.
Requisitos para acessar o regime de proteção contra sanções
Para que o contribuinte possa se beneficiar do regime de proteção contra sanções, devem ser atendidos, no mínimo, os seguintes requisitos:
- Documentação devidamente preparada, incluindo o arquivo mestre e a documentação local sobre preços de transferência.
- Apresentação da documentação à Administração Tributária no decorrer de acessos, inspeções, verificações ou outras atividades de fiscalização.
- Comunicação da existência dessa documentação na declaração do imposto correspondente.
Cabe destacar que a mera apresentação da documentação durante uma fase de verificação não obriga a Administração Tributária a reconhecer automaticamente a proteção contra sanções, mesmo que os requisitos formais sejam cumpridos, se a documentação não contiver, de forma substancial, os elementos informativos adequados para sua verificação.
Adequação da documentação: abordagem substancial vs. formal
Um aspecto central é como se interpreta a noção de “adequação” da documentação de preços de transferência. De acordo com a Circolare 26.11.2021, n. 15/E da Agenzia delle Entrate, a adequação deve ser avaliada não com uma abordagem meramente formal (“folha de controle completa”), mas com uma abordagem substancial, ou seja, centrada em se a documentação permite que a Administração Financeira realize uma análise consciente e fundamentada da política de preços de transferência adotada pelo contribuinte.
Em consonância com isso, a jurisprudência italiana reiterou que o relevante não é a perfeição absoluta da análise, mas que a empresa tenha fornecido à Administração os elementos necessários para que esta possa realizar a verificação (por exemplo: funcionalidade, riscos assumidos, comparabilidade, método, seleção de comparáveis).
Por exemplo:
- O Tribunal Fiscal Regional da Lombardia sustentou que o essencial não é a perfeição da documentação, mas que a empresa a tenha colocado à disposição da Administração e que contenha as informações utilizadas para determinar os preços de transferência. (Sentença n.º 2454, 1 de junho de 2017).
- Em uma decisão posterior, o mesmo tribunal considerou válido um único manual de preços de transferência aplicável a várias empresas do grupo, desde que incluísse todas as informações exigidas pela regulamentação. (Sentença n.º 5225, 28 de novembro de 2018).
- Por sua vez, o Tribunal Tributário Provincial de Milão destacou que o que realmente importa é a disponibilidade, clareza e oportunidade da documentação, em consonância com o princípio de colaboração e transparência do contribuinte consagrado no Estatuto do Contribuinte. (Sentença n.º 2099, 13 de maio de 2021).
- No entanto, uma decisão mais recente do Tribunal Fiscal Regional da Lombardia negou a aplicação do regime de proteção contra sanções, apesar de a documentação apresentada ser substancialmente coerente, devido a uma omissão formal na comunicação — a falta de marcação do campo correspondente no quadro RS da declaração fiscal. (Sentença n.º 85, 10 de janeiro de 2024).
Considerações práticas e recomendações para o contribuinte
Da perspectiva do especialista em preços de transferência e tributação internacional, derivam-se as seguintes considerações e recomendações operacionais:
Embora não seja exigida a perfeição absoluta da análise de comparáveis ou da funcionalidade, é essencial que a documentação apresente de forma razoavelmente clara e verificável a política de preços de transferência, incluindo método, seleção de comparáveis, hipóteses assumidas, funções e riscos, estrutura do grupo.
- É fundamental marcar adequadamente na declaração de impostos que se dispõe da documentação de preços de transferência e que se está optando pelo regime de proteção sancionatória (ou seja, sinalização do flag no formulário correspondente), pois sua omissão pode levar à perda do benefício, mesmo com documentação substancialmente adequada.
- A administração não é obrigada a conceder a proteção se, apesar dos requisitos formais, as informações estiverem incompletas ou não forem autênticas. Nesse sentido, certas imperfeições metodológicas não excluem a proteção, mas a ocultação, a falta de transparência ou a ausência de dados podem fazê-lo.
- O contribuinte deve adotar uma atitude proativa de colaboração, conformidade tributária e transparência fiscal, entendendo que o regime de preços de transferência e a proteção contra sanções se inscrevem em uma lógica de tributação colaborativa. O objetivo não é punir o contribuinte que, mesmo com certas imperfeições, apresenta uma documentação coerente, mas penalizar comportamentos evasivos ou opacos.
- De uma perspectiva prática — e de gestão de risco —, as empresas multinacionais e os grupos com operações intragrupo devem estabelecer políticas internas de preços de transferência que documentem e atualizem periodicamente os principais relatórios: documentação local, relatório mestre e relatório país por país; incluindo análises de risco e comparabilidade, e garantindo sua disponibilidade para eventuais revisões da autoridade fiscal.
- Na fase de auditoria interna ou preparação da documentação, convém avaliar não apenas a conformidade formal (índices, assinaturas, marcas temporais, etc.), mas também a solidez substancial da análise: a documentação permite ao fiscal compreender como foram fixados os preços intragrupo? A seleção de comparáveis é justificada? As funções e os riscos foram adequadamente documentados?
Conclusão
O regime de proteção sancionatória vinculado à documentação de preços de transferência representa um mecanismo fundamental para mitigar o risco de sanções por declaração falsa ou incorreta no âmbito das operações intragrupo. No entanto, sua eficácia depende de um cumprimento que vai além do mero formalismo: a documentação deve ser substancialmente adequada, apta a permitir uma verificação por parte da autoridade tributária, e a empresa deve comunicar adequadamente sua existência e disponibilizá-la.
Na prática internacional, isso significa que as políticas de preços de transferência devem coexistir com uma cultura de conformidade, transparência e cooperação fiscal, o que contribui para reduzir o risco de ajustes e sanções e fortalecer a defesa do contribuinte perante o controle.
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Fonte: Ratio
