Em outubro de 2025, o Tribunal Fiscal Dinamarquês (Landsskatteretten) emitiu uma decisão, SKM2025.590. LSR, que confirmou a decisão da Autoridade Tributária Dinamarquesa (Skattestyrelsen) de desconsiderar os efeitos fiscais de uma reestruturação intragrupo realizada pelo Grupo H, ao considerar que a transação carecia de substância econômica e tinha como objetivo principal fins fiscais.
A disputa surgiu da transferência interna de ações entre companhias relacionadas, financiada por um empréstimo entre empresas no valor de 100 milhões de coroas dinamarquesas. A autoridade argumentou que, apesar da formalidade dos contratos, não havia risco econômico real ou motivo empresarial verificável que sustentasse a transferência de capital.
Histórico e posição das partes
O Grupo H, de propriedade da mesma família, tinha criado três novas empresas controladoras para otimizar a sua estrutura empresarial e reduzir a exposição mediática dos seus investimentos. Em dezembro de 2013, uma das empresas do grupo (H1 A/S) transferiu as suas ações numa empresa estrangeira (G2 A/S) para estas novas entidades. A transação foi avaliada em 100 milhões de coroas dinamarquesas, sendo financiadas por meio de um empréstimo interno entre as próprias empresas do grupo.
O grupo argumentou que a transação não gerava nenhum benefício fiscal real, já que os juros do empréstimo se tributavam na Dinamarca e as deduções correspondentes não geravam nenhuma vantagem imediata. Segundo a sua posição, eles pretendiam reorganizar a estrutura de propriedade para fortalecer a gestão corporativa sem afetar o ônus tributário efetivo.
Por outro lado, a Skattestyrelsen concluiu que o esquema permitia a redistribuição artificial de perdas fiscais no grupo, particularmente por meio do uso de deduções por juros em empresas com perdas fiscais acumuladas. Para a administração, esta era uma transação sem base econômica real, destinada a aproveitar o regime de consolidação fiscal (sambeskatning).
Argumentos do tribunal e fundamentos da decisão
O Tribunal Fiscal confirmou a decisão da autoridade, observando que o empréstimo entre empresas não apresentava risco financeiro genuíno. Além disso, os objetivos empresariais alegados, tais como reduzir a exposição mediática ou facilitar a gestão, eram insuficientes para justificar o reconhecimento fiscal da transação.
De acordo com a decisão, a dívida assumida pelas novas empresas era puramente formal, já que não demonstraram a sua capacidade de pagamento, nem a existência de obrigações financeiras reais para com terceiros. Além disso, as empresas envolvidas pertenciam ao mesmo grupo familiar, atuando sob controlo comum; por conseguinte, a transação teve de ser avaliada conjuntamente como um «acordo fechado» ou lukkede aftalekompleks, habitual em estruturas destinadas a fins fiscais.
O Tribunal citou uma jurisprudência anterior, como os casos SKM2009.168. HR e SKM2014.422. HR, em que o Supremo Tribunal dinamarquês estabeleceu que as transações entre partes relacionadas devem ter substância econômica e um objetivo comercial verificável. Reiterou também que os ajustes contábeis ou contratuais entre partes relacionadas não podem ser reconhecidos para efeitos fiscais se o seu objetivo principal for modificar o ônus tributário sem uma alteração econômica substancial.
Relevância da perspectiva dos preços de transferência
Embora o caso não trate diretamente de um ajuste tradicional de preços de transferência, a sua análise alinha-se com os princípios da OCDE sobre o comprimento do braço. O Tribunal avaliou a ausência do risco real e das condições comparáveis às transações independentes, além da falta de documentação que comprovasse uma razão comercial legítima.
Em relação aos preços de transferência, a decisão reforça a ideia de que as transações intragrupo devem se basear em justificativas econômicas documentadas, tanto para a valoração de ativos quanto para a alocação de riscos e benefícios. As empresas devem demonstrar que as transações se baseiam numa lógica empresarial consistente, e não numa estratégia de otimização fiscal interna.
Além disso, o caso ilustra como as autoridades fiscais europeias – especialmente em jurisdições com um alto grau de transparência – aplicam o princípio da “substância sobre a forma”, priorizando a realidade econômica sobre a aparência jurídica.
Análise econômica e probatória
Durante o processo, a autoridade dinamarquesa apontou a falta de provas documentais que sustentassem os argumentos apresentados pelo grupo. Não havia relatórios de avaliação independentes, atas do conselho de administração ou estudos financeiros que sustentassem a necessidade do empréstimo ou o benefício operacional da transferência das ações.
O Tribunal também observou inconsistências contábeis, como o uso de diferentes princípios de valoração entre as entidades do grupo, o que dificultava a determinação do efeito real da transação nos resultados consolidados. Nesse contexto, a conclusão foi de que o único efeito tangível foi a criação de deduções fiscais sem qualquer risco financeiro relacionado.
Essa abordagem reflete uma tendência global em questões fiscais: os tribunais e as administrações tributárias avaliam cada vez mais a substância econômica, o papel real das partes e o impacto econômico líquido das transações para determinar se elas são legítimas do ponto de vista dos preços de transferência.
Implicações para as reestruturações intragrupo
A decisão dinamarquesa tem um escopo mais amplo do que o caso específico, confirmando que as reorganizações internas em grupos familiares ou empresariais devem ser cuidadosamente planejadas e documentadas, demonstrando a sua lógica econômica, efeito operacional e consistência com os objetivos comerciais.
As empresas multinacionais devem antecipar que as autoridades fiscais exigirão provas sólidas das razões não fiscais por trás das transações, especialmente quando estas envolvem empréstimos, alienações de ativos ou transferências de ações.
Nesse sentido, é fundamental que haja um registro de preços de transferência, que deve incluir análise funcional, comparabilidade de taxas de juros ou condições financeiras, estudos de avaliação e registros contábeis consistentes entre as entidades envolvidas.
Conclusão
O caso Dinamarca vs. Holding A/S estabelece um precedente importante sobre a aplicação do princípio da substância econômica em reestruturações intragrupo. O Tribunal reafirma que as transações entre partes relacionadas, embora válidas na sua forma jurídica, não terão efeitos fiscais se não tiverem um objetivo comercial real ou se gerarem somente benefícios fiscais internos.
Para grupos multinacionais, essa decisão ressalta a importância de um planejamento fiscal responsável, apoiado por documentação técnica e evidências econômicas verificáveis. No contexto internacional atual, caracterizado por uma maior cooperação entre as administrações tributárias e controles baseados nas diretrizes BEPS, a transparência e a consistência empresarial são essenciais para evitar ajustes ou disputas de preços de transferência.
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Fonte: TPCases
