A recente decisão do Tribunal Fiscal de Apelações do Quênia no caso Cipla Kenya Limited contra o Comissário de Impostos Internos estabelece um precedente técnico relevante sobre a interpretação do intervalo interquartil e o uso da mediana na aplicação do método da margem líquida da transação (TNMM) em estudos de preços de transferência.
Contexto do litígio
A controvérsia surgiu na sequência de uma avaliação fiscal realizada pela autoridade tributária do Quênia relativa ao exercício fiscal de 2018, na qual foram impostos ajustes com base em preços de transferência à Cipla Kenya Limited, subsidiária da multinacional farmacêutica Cipla Medpro (África do Sul). A avaliação incluiu um ajuste no imposto de renda das empresas, juros e multas, inicialmente no valor de aproximadamente KES 78,6 milhões, que posteriormente foi reduzido para KES 31,6 milhões.
O principal argumento do comissário foi que a rentabilidade declarada pela Cipla — com base em uma margem operacional de 3,02% — não se encontrava dentro do intervalo interquartil determinado em sua própria análise, que estabelecia uma mediana de 4,74%. O comissário sustentou que essa mediana deveria ser adotada obrigatoriamente de acordo com as Diretrizes da OCDE.
Decisão do Tribunal: Interpretação Técnica do Intervalo Interquartil
O Tribunal considerou improcedente a posição do comissário quanto ao uso obrigatório da mediana. Na sua análise, baseou-se no parágrafo 3.57 das Diretrizes da OCDE, que estabelece que qualquer ponto dentro do intervalo interquartil pode ser considerado conforme ao princípio da plena concorrência, salvo se forem detectadas falhas na comparabilidade.
Além disso, o tribunal salientou que o próprio comissário tinha reconhecido que existiam falhas de comparabilidade nas transações analisadas. Portanto, invocar o uso obrigatório da mediana — de acordo com o parágrafo 3.62 das Diretrizes — era inaplicável, uma vez que tal parágrafo só se aplica quando não existem defeitos materiais. Consequentemente, o tribunal concluiu que a rentabilidade da Cipla estava dentro dos limites aceitáveis sob o princípio da plena concorrência e anulou o ajuste por preços de transferência.
Custos operacionais e o princípio da plena concorrência
Outro ponto relevante abordado pelo Tribunal foi a dedução de determinados custos laborais e operacionais que o comissário rejeitou por alegada falta de documentação. O tribunal sustentou que, ao abrigo do TNMM, estes custos são elementos determinantes na análise das margens e a sua exclusão artificial distorce o resultado líquido, podendo dar origem a uma dupla tributação económica.
O tribunal observou que os custos reclamados estavam devidamente contabilizados e auditados nas demonstrações financeiras da empresa e que sua eliminação geraria inconsistências injustificadas na aplicação do método. Consequentemente, também anulou o ajuste relacionado a esses custos.
Conclusão
Esta decisão reforça a importância da análise rigorosa e contextualizada das margens interquartis e dos métodos de preços de transferência, em conformidade com as Diretrizes da OCDE. Além disso, reconhece a validade de abordagens econômicas razoáveis na presença de documentação financeira adequada.
O caso constitui uma referência para contribuintes multinacionais e autoridades fiscais no que diz respeito à interpretação técnica do uso da mediana e da documentação de custos operacionais em estudos de preços de transferência. Também destaca a necessidade de uma coordenação eficaz entre as normas locais e os padrões internacionais, particularmente em jurisdições em processo de consolidação de sua legislação tributária em matéria de tributação internacional.
Fonte: Processo n.º KETAT/223/2025