Em 11 de fevereiro de 2020, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), emitiu o relatório final do Guia de Preços de Transferência em relação às transações financeiras entre partes relacionadas.
Este relatório foi desenvolvido para acompanhar as Ações 4, 8 e 10, do Plano BEPS (Base e Erosão e Transferência de Lucros), que se referem à delimitação que a dedução dos juros sobre empréstimos deveria ter e ao alinhamento dos resultados dos preços de transferência com a criação de valor.
Isto é de grande importância, pois representa a incorporação de um novo capítulo nas Diretrizes de Preços de Transferência publicadas em 2017, que seria orientado pela primeira vez para aspectos de preços de transferência em relação às transações financeiras.
O objetivo deste capítulo é buscar consistência na interpretação do princípio da plena concorrência ou “arm’s length” no que diz respeito a tais transações.
Entre os plenpais aspectos tratados neste Guia está a correta delimitação das transações financeiras, empréstimos intragrupo, cash pooling, garantias, entre outros.
Delimitação da transação financeira
A primeira seção deste Guia estabelece que o empréstimo deve ser definido com precisão, pois com uma caracterização correta do empréstimo, será possível determinar uma remuneração que respeite o princípio da plena concorrência.
Para tanto, sugere certos fatores a serem levados em conta para a caracterização do empréstimo, o que permitirá distingui-lo de outras formas de financiamento, tais como uma contribuição de capital.
Esses fatores incluem a obrigação de pagar juros, a ausência de uma data de reembolso, a existência de acordos financeiros e garantias, a fonte de pagamento dos juros, etc.
Também indica que, para delimitar com precisão a operação, uma análise exaustiva das características econômicas relevantes também deve ser levada em consideração, como uma avaliação dos termos contratuais, uma revisão das características dos produtos ou serviços financeiros; as funções, ativos e riscos envolvidos na operação e as circunstâncias econômicas das partes envolvidas e do mercado.
Se, de acordo com o acima exposto, a estrutura de capital e dívida do mutuário não corresponder àquela acordada por partes independentes, o mutuário deve categorizar a transação como uma contribuição de capital.
Funções do Tesouraria
Com relação às funções de tesouraria, a segunda seção do Guia afirma que isso dependerá da estrutura do grupo e da complexidade de suas transações.
As principais funções de tesouraria cobertas nesta seção são:
- Empréstimos intra-grupo: Em relação a isto, o Guia indica certos fatores a serem levados em consideração, ao estabelecer uma taxa de juros para estes empréstimos, como por exemplo:
- Perspectiva do financiador: Para isso, a pessoa que recebe o financiamento deve ser avaliada de forma credível.
- Influência do grupo: O efeito de fazer parte de um grupo, também chamado de apoio implícito, deve ser considerado, possivelmente impactando na capacidade de empréstimo do membro do grupo multinacional.
- Convenant: Compromissos financeiros são geralmente assumidos entre partes independentes, para dar segurança ao empréstimo, em termos de duração, condições de pagamento e assim por diante.
Entretanto, muitas vezes estas não estão incluídas nas transações de financiamento intragrupo, portanto os acordos implícitos nelas devem ser analisados.
- Perspectiva da operação: Estes empréstimos devem ser analisados tanto do ponto de vista do devedor como do credor, a fim de avaliar os riscos de cada um na operação.
Além disso, este relatório indica a metodologia que pode ser seguida para a análise da taxa de juros:
- Método do Preço Comparável Não controlado: Para o qual a classificação de crédito do devedor e as condições da mútua seguradora devem ser levadas em consideração, a fim de buscar operações comparáveis.
- Custo de financiamento: A OCDE indica que, caso não sejam obtidas comparações, o custo de financiamento do emprestador pode ser tomado como referência, ao qual será adicionado um prêmio de risco e um mark up.
- Credit Default Swap: Ressalta-se que os swaps, uma vez que refletem um risco de crédito baseado em um ativo subjacente, podem ser utilizados na ausência de informações sobre este ativo como uma transação comparável.
Para este fim, o diferencial de swaps de inadimplência de crédito pode ser usado para calcular o prêmio de risco associado ao financiamento intragrupo.
- Modelos Econômicos: Baseia-se em modelos econômicos que calculam a taxa de juros utilizando taxas de juros sem risco e uma série de prêmios associados a diferentes aspectos do empréstimo.
- Bankers’ Charter: Também conhecido como “parecer de bancarização”, procura demonstrar que a taxa acordada está de acordo com o princípio de plena concorrência, baseado em pareceres escritos de bancos independentes, nos quais estes últimos indicam qual seria a taxa de juros aplicável a um empréstimo comparável.
- Cash Pooling: Também chamado de tesouraria centralizada, é um método utilizado para fins de financiamento entre partes relacionadas, que pode ser físico ou nocional.
O Guia observa que, a fim de determinar a contraprestação que está de acordo com o princípio da plena concorrência, nas transações de cash pooling deve ser analisada a contraprestação paga ao “cash pool leader”, ao “cash pool member” ou “cash pool guarantees”.
- Hedging: O Guia observa que as transações financeiras intragrupo podem envolver instrumentos através dos quais o risco é transferido entre as diversas entidades do grupo, como um acordo de cobertura ou hedging.
Portanto, será importante que a entidade de cobertura receba consideração pelo valor de mercado.
Garantias
A Seção D dos Guias fornece informações sobre como fixar os preços das garantias financeiras.
Como no caso de empréstimos, foram estabelecidas metodologias a serem utilizadas para estabelecer a consideração, tais como o preço comparável não controlado, abordagem de rendimento, abordagem de custo, avaliação de perdas esperadas e método de apoio de capital.
Companhias de seguros cativas
Há maneiras pelas quais grupos multinacionais podem gerenciar riscos, uma das quais é consolidando certos riscos através de uma seguradora cativa.
As Diretrizes identificam como relevantes para estes, a capacidade financeira que a seguradora deve ter para assumir os riscos segurados e a capacidade de controle da seguradora.
Portanto, quando não se pode determinar que a seguradora exerce controle sobre o risco, mas que o risco é controlado por outra entidade do grupo, o desempenho deve ser atribuído a esta última.
Taxa de juros sem risco
A Seção F do Guia descreve como a taxa de juros sem risco e a taxa de retorno ajustada devem ser determinadas e é adicionada à Seção D 1.21 do Capítulo I das Diretrizes de Preços de Transferência.
O Guia afirma que se o credor não tem risco de investimento, a taxa de juros deve ser a taxa de risco livre, que pode ser determinada por referência, entre outros, a títulos do governo.
Entretanto, se a entidade que faz o empréstimo assume um risco associado a ele, mas não outros riscos específicos, apenas uma taxa de juros ajustada ao risco de financiamento deve ser acordada, para a qual a taxa livre de risco e um prêmio de risco devem ser considerados.
Conclusão e Recomendação
Este novo Guia de Preços de Transferência estabelece parâmetros a serem seguidos em relação às transações financeiras entre partes relacionadas. Os grupos multinacionais devem rever estes tipos de transações a fim de analisar se cumprem os critérios estabelecidos neste relatório, os quais, por sua vez, devem ser levados em consideração para transações futuras.