Com a entrada em vigor da Lei n.º 14.596/2023 e da Instrução Normativa RFB n.º 2.161/2023, o Brasil adotou um novo marco normativo de Preços de Transferência alinhado com os princípios internacionais promovidos pela OCDE. Entre os elementos mais inovadores deste sistema estão os chamados ajustes compensatórios, que representam uma mudança importante em relação à prática fiscal anterior e apresentam desafios tanto jurídicos como operacionais.
O que são ajustes compensatórios?
De acordo com a regulamentação brasileira, os ajustes compensatórios são retificações realizadas pelas próprias partes de uma transação controlada com o objetivo de garantir que o preço aplicado se situe dentro da faixa de plena concorrência (arm’s length). Esses ajustes devem ser efetuados antes do encerramento do exercício fiscal e estar devidamente comprovados por documentação contabilística, fiscal e contratual que demonstre a sua razoabilidade económica.
Ao contrário dos ajustes primários (determinados pela administração fiscal) ou dos ajustes espontâneos (efetuados unilateralmente pelo contribuinte), os ajustes compensatórios requerem o reconhecimento de ambas as partes envolvidas e devem ser refletidos na contabilidade através da emissão de documentos fiscais, tais como notas de crédito ou débito. Esta exigência aumenta a necessidade de planeamento antecipado e coordenação entre as entidades relacionadas.
Ambiguidades regulatórias: impacto em outros impostos?
Embora o quadro normativo estabeleça que os ajustes compensatórios não têm efeito automático sobre outros impostos além do IRPJ (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Jurídicas) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), o termo «automaticamente» gera incerteza jurídica.
Por exemplo, se um ajuste afetar o valor de uma importação, é possível que os valores declarados na alfândega sejam questionados e os impostos relacionados sejam reavaliados, como o Imposto de Importação, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) ou o PIS/COFINS. A nível internacional, já existem precedentes em países como a Polónia, onde se discutiu a aplicabilidade do IVA a este tipo de ajustes, concluindo que não constituem contraprestação por serviços, mas sim mecanismos de correção de preços entre partes relacionadas.
Estas incertezas exigem que os contribuintes avaliem caso a caso para determinar se o ajuste pode desencadear efeitos indiretos sobre outras obrigações fiscais.
Desafios práticos e necessidade de orientação
A implementação dos ajustes compensatórios, tal como previsto na regulamentação brasileira, exige que as empresas adotem mecanismos de controlo interno sólidos e processos documentais consistentes. É necessária, além disso, a revisão dos contratos entre empresas, a definição clara dos métodos de Preços de Transferência aplicáveis e a preparação antecipada de relatórios que sustentem as correções.
Como ainda não existem normas complementares que tratem detalhadamente dos efeitos dos ajustes compensatórios sobre outros impostos ou regimes (como comércio exterior, ISS ou benefícios fiscais), persistem lacunas regulatórias que geram insegurança jurídica.
Até o momento, a Receita Federal do Brasil não emitiu diretrizes específicas que esclareçam se os ajustes compensatórios podem ou não alterar a base tributável de outros impostos. Esse silêncio normativo se traduz em um risco latente para os contribuintes, especialmente em operações internacionais ou que envolvam incentivos fiscais.
Considerações finais
Os ajustes compensatórios constituem um avanço importante no sentido da convergência do sistema brasileiro com as melhores práticas internacionais, especialmente no que diz respeito ao princípio da plena concorrência. No entanto, a sua aplicação prática exige prudência, devido às possíveis repercussões colaterais noutros domínios do sistema tributário.
Na ausência de diretrizes claras, é recomendável que os contribuintes avaliem cuidadosamente cada situação, mantenham registros detalhados e, se possível, consultem preventivamente a administração tributária para evitar contingências futuras. Da mesma forma, espera-se que, à medida que a implementação do novo regime se consolide, a Receita Federal emita normas complementares que proporcionem maior segurança jurídica quanto aos efeitos colaterais desses ajustes.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/435844/ajustes-compensatorios-nas-novas-regras-de-precos-de-transferencia